Lia acordou cedo, sentou-se na cama e passou a mão no rosto. Olhou em direção à varanda e viu que estava chovendo. Em dias assim, ela sempre ficava melancólica, mas não era assim que queria começar sua manhã. Ao som de um bocejo, viu a pequena mesa ao lado da cama na estalagem. O chá de gengibre e o resto de um bolo Kaldorei da noite anterior estavam lá, então preferiu trocar de roupa e caminhar até a taverna. Antes de começar a descer as escadas, encontrou uma gnoma de cabelos espetados, vestindo uma túnica roxa e segurando canecos. Quando Lia foi dar bom dia, a gnoma a cortou e pediu permissão para organizar o quarto. Então a draenei acenou com a cabeça. Dali, podia ver a saída, e a chuva parecia mais intensa. Em uma reflexão sobre voltar para a cama e passar o dia lá, Lia seguiu à procura de seu café da manhã. A estalagem Recanto dos Heróis era uma das mais visitadas em Dalaran. Obviamente, durante a incursão das Ilhas Partidas, muitos mais aventureiros circulavam por aqui, mas mesmo hoje, ainda abrigava algumas pessoas da chuva. Lia então completou sua descida pelas escadas até alcançar o salão da taverna da estalagem.
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“Bom dia, GraSenhora, espero que tenha sido uma noite tranquila,” [ disse a estalajadeira Belvento, uma Quel’dorei vaidosa e de personalidade forte, dona do Recanto dos Heróis. ] “Menina, sirva pão, presunto e vinho de gengibre à GraSenhora Xilosciente. Ela vai precisar,” então voltou os olhos para Lia, que por sua vez abriu um sorriso enquanto se dirigia à bancada da taverna.
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“Deixai, por gentileza, Marcella em paz, Belvento. Não me urge o tempo, assim, me atendais com a devida calma.” Disse Lia para Belvento, que respondeu:
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“Somos amigas, Lia, não fale como se estivesse diante do rei da Aliança ou algum outro nobre.”
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“Nós duas sabemos que a linhagem dos Belvento não é mera.” Lia falava enquanto Belvento caminhava em direção ao andar de cima para dar seguimento aos seus afazeres, mas que ainda assim olhou para Lia com um sorriso e respondeu.
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“Sabemos também que falar sobre isso pela manhã fará o seu dia ser mais melancólico. Abra um sorriso e seja grata pela vida, Grã Senhora Xilosciente da Guarda de Tyr. Se há alguém aqui que é importante, é a heroína da Aliança.”
Enquanto ambas conversavam, a jovem humana de cabelos ruivos, Marcella, entreveu seu café da manhã: pão de cevada quente, um belo pedaço de presunto laqueado ao mel e um copo de leite adoçado. Marcella falando baixinho disse a Lia:
- “Somente aquela elfa para oferecer vinho tão cedo para um hóspede.”
Após comer, Lia se levantou, segurou o Punho de Prata e se despediu dos clientes do balcão. Caminhou até a porta e viu que a chuva estava mais fraca, então respirou e foi andando pela calçada. Era muito cedo e nenhum vendedor estava na rua. Cumprimentou os Guardas Guilneanos que faziam a proteção do Enclave Preagris e seguiu seu caminho até as escadas centrais. O Enclave é uma estrutura antiga, que durante a incursão foi importante para reunir paladinos e sacerdotes que agiriam na linha de frente do combate. Mas mesmo depois de muito tempo, a imponência do prédio a impressionava: dois leões de pedra escura esculpidos guardavam a entrada, as estátuas celebrando os Quel’dorei e, claro, o portal do Sacrário da Luz, lar dos Punho de Prata. Lia caminhou até o portal e com as pontas dos dedos o tocou, relutante em entrar, até ser reconhecida por um guarda humano, todo armadurado com elmo e tabardo do Punho de Prata. Lia então sorriu para o jovem paladino e entrou.
O Sacrário é um lugar imponente, com muitos livros, relíquias e lar do Coração de Luz, núcleo da Mãe Luz, um naaru conhecido como Xi’ra. Xilosciente serviu como paladina no exército junto aos Draeneis da Luz antes mesmo de receber a bênção para si mesma, mas após várias manifestações de fanatismo e tudo que aconteceu com Illidan, essa fé foi abalada. Foi um caminho longo até Lia se reencontrar novamente com sua fé e o que a luz dentro dela significava. Sua reconciliação com a luz se deu anos depois e teve muito mais a ver com deixar o sentimento de vingança e começar a acreditar na transformação pessoal.
Parada diante do Coração da Luz, Lia lembrou de sua chegada a Azeroth após a fuga de Draenor, lembrou de seus dias no Exodar e de todo o caminho até se tornar uma Draenei da Luz. Todas as lembranças passaram tão rapidamente por seus olhos, as escolhas que queria poder fazer novamente, as palavras que nunca foram ditas. O silêncio de sua mente foi rompido pela mão de Delas Presaluna em seu ombro.
“GraSenhora, o que está fazendo aqui? Achei que estaria em Bel’ameth junto com a Alta Sacerdotisa.” A paladina elfa noturna sorriu, puxou Lia para seus braços e deu um forte abraço. E continuou falando: “Eu só voltei porque o Punho de Prata queria um extenso relatório da batalha contra Fyrakk e suas intenções.”
Lia, um pouco surpresa, retribuiu o abraço e com um olhar melancólico respondeu: “Vim visitar um amigo.” Então passou a mão no rosto e com um sorriso refazendo sua frase: “Mas em breve estarei de volta, sei que tenho minhas obrigações com a Guarda de Tyr, mas tenho agora um lar para voltar em Bel’ameth.”
Delas, corada, sorriu de alegria e com força puxou novamente Lia para um abraço, dizendo: “Fico feliz por você e jovem Chii. Agora deixe-me voltar para o trabalho porque Arator parece ansioso.”
Lia novamente caminhou em direção ao salão dos campeões, todos da Alta Guarda de Prata se curvaram, comportamento que Lia compreende, mas detesta. Descrever o salão é difícil, é uma grande catedral em estrutura de pedra polida, com grandes vitrais banhados por luz; existem fileiras e mais fileiras de assentos para orar pelos muitos paladinos que aqui descansam. O salão hoje estava vazio. Lia caminhou até um canto à esquerda, olhou para uma placa de prata onde estava escrito: ‘Ele sempre buscou proteger aqueles que não podiam se defender, Maarad fez o sacrifício final em Draenor para salvar um dos nossos.’ Lia passou a mão sobre a placa, encostou a cabeça e agradeceu ao amigo por ter permitido que ela vivesse mais um dia.
“Maarad foi como um mentor; sem ele e Exodar, não haveria um futuro. Seu sacrifício em Draenor foi uma das piores notícias que poderia ter tido. O sentimento de injustiça, a vontade de vingança… Muitas coisas me fizeram perder-me durante meu caminho. E sempre irei vir até aqui te pedir desculpas por ter-me perdido. Mas encontrei-me de novo, amigo. Você adoraria ter conhecido Tyr e a Guarda de Tyr. Você teria ficado feliz com o resgate do nosso povo em Argus. Feliz aniversário, velho amigo.”